Você provavelmente tem alguns hábitos que não quer que ninguém saiba. Talvez seja deixar o seu Fitbit juntar poeira enquanto come Doritos e assiste a alguns episódios de The Good Wife (compreensível). Talvez você saia para dirigir durante a madrugada nos dias em que não consegue dormir. Qualquer que seja o seu hábito secreto, se você o faz enquanto usa aparelhos que se conectam à internet — e a outros aparelhos — para receber comandos e enviar informações, essas atividades talvez não sejam tão privadas quanto você pensa.
Sem a fiscalização apropriada, companhias que fazem gadgets e aparelhos que registram nossos movimentos e comportamentos podem compartilhar nossos hábitos secretos com nossos chefes, seguradoras e bancos. E em muitos casos, não existem leis que possam impedi-los.
Isso soa como um romance distópico. Mas a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos (FTC) reporta que coletores de dados podem juntar informações o suficiente para nos fazer perder empregos ou inflacionar o valor de apólices de seguro, por exemplo. A FTC aponta quão ampla esta coleta pode ser:
“De acordo com um participante, pesquisadores afirmam que sensores presentes em celulares podem ser usados para deduzir o humor do usuário; seus níveis de estresse; seu tipo de personalidade; traços bipolares; demografia (por exemplo seu gênero, estado civil, atual emprego, idade); se fuma; o quanto se exercita; e tipos de atividade física e movimentos que executa.”
E isso tudo coletado só de smartphones! Como aparelhos conectados à internet geram ainda mais dados sobre o que usuários fazem dentro de suas casas, eles se tornam ferramentas ainda mais poderosas para coletar informação e criar perfis sobre os usuários. O relatório da FTC é um documento importante, pois existe a necessidade de que mais regras sobre o uso indevido de dados pessoas sejam criadas. Estes aparelhos e gadgets que compramos podem ser usados contra nós, se tornando pequenos espiões eletrônicos que podem ferrar com a nossa vida:
“Um pesquisador coloca a hipótese de que dados de gadgets e aplicativos de exercício físico, como a pulseira Fitbit e o aplicativo Nike+, que coletam dados relacionados ao bem estar dos usuários, poderiam ser usados para inflacionar preços de planos de saúde ou seguros de vida, ou ainda, definir se o usuário é adequado a um emprego (por exemplo, um usuário que se exercita pode ser tido como alguém que não corre tanto risco de morte ou um bom empregado)”
Isto significa que os exercícios físicos que você não pratica, conforme determinado por uma pulseira que companha suas atividades ou a uma academia conectada à internet, poderiam ser determinantes na hora de decidir se você é merecedor de um aumento ou até na manutenção do seu emprego próprio emprego, dependendo do que o seu empregador levar em consideração (e sabemos que eles podem ser bem malucos). Significa também que, caso você decida comprar um carro que se conecta à internet por questões de segurança, todas as vezes que você precisar dar uma freada brusca serão compartilhadas com a seguradora.
Agora, muitas das empresas que vendem aparelhos conectados já informaram que não venderão seus dados para outras companhias – a BMW e sua nova safra de carros conectados à internet é uma das que promete privacidade. A Nest pede permissão antes de compartilhar seus dados. Assim, seu chefe não teria nenhuma informação para usar contra você. E a Lei de Justa Informação de Crédito (Fair Credit Reporting Act – FCRA) impõe alguns limites às empresas que vendem este tipo de aparelhos. Mas a lei não é muito abrangente:
“A Lei de Justa Informação de Crédito exclui apenas terceiros do processo de coletar informações de consumidores; desta forma, fabricantes que produzem seus próprios produtos que se conectam à internet ficam livres destas restrições. A lei também não cobre empresas que coletam dados diretamente de aparelhos conectados para usá-las para aprovação de créditos, seguros e outras decisões que necessitam de elegibilidade — algo que pode se tornar bastante comum com o crescente número destes aparelhos.”
Sem leis limitando o poder das empresas de analisar e compartilhar dados, usuários estarão perpetuamente sob o risco de que os seus aparelhos se transformem em equipamento de espionagem de grandes corporações. E mesmo que concordemos em compartilhar nossos dados, nós os quantificamos e os compartilhamos com a ideia de que isso nos ajudará em nosso aperfeiçoamento, não para viver em um mundo digital de julgamento e punição. [FTC]
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Artigo publicado no Gizmodo Brasil.