Imaginar o futuro é sempre uma aventura. Não sei bem como as crianças de hoje imaginam o futuro, mas ainda devem existir os carros que voam e as casas com robôs que fazem de tudo.
O que surpreende é que as crianças de hoje acreditam que a Internet existe em todos os lugares, como o oxigênio, ou seja, que a Internet existe como o ar que respiramos ou disponível como a eletricidade. Elas não precisam desejar ou sonhar, elas acreditam que isto já é real e se irritam ou não entendem quando estão em um lugar onde seus jogos e equipamentos não funcionam pela ausência do acesso Internet.
Segundo dados da pesquisa realizada em julho de 2013 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre a Inclusão Digital, somente 14,3% das cidades brasileiras oferecem pontos com WiFi. São 795 municípios que disponibilizam essa opção de conexão sem fio. Em 93,6% delas, o acesso é gratuito e o sinal Wifi pode estar restrito às localidades definidas pela prefeitura como parques, praças e regiões centrais. Os dados fazem parte da pesquisa sobre iniciativas no âmbito municipal de inclusão digital do instituto e foi realizado pela primeira vez.
E como tornar este presente imaginado pelas crianças mais real? Ter a Internet disponível em todos os lugares? Para os adultos, a Internet “como ar” é uma perspectiva de futuro? Qual a visão de futuro dos adultos?
E você, o que vem em sua mente, quando pensa no futuro?
Na mente de muitas pessoas, falar em futuro é falar no conceito de “cidades inteligentes”.
E o que isto significa?
O conceito formal das “Cidades Inteligentes”ou “smart city” é o uso de tecnologia com sustentabilidade para que as cidades sejam vivas e aproveitem melhor os recursos, ao mesmo tempo que ofereçam mais mobilidade e serviços com o objetivo de que as pessoas possam ter mais qualidade de vida.
Trata-se de uma recente inovação tecnológica que está sendo pensada e discutida nos mais diversos fóruns mundiais. A necessidade surge do crescimento desordenado dos centros urbanos e do aumento populacional e suas consequências. Afinal, tal crescimento traz diversos desafios que estão relacionados ao fornecimento inteligente de serviços essenciais, como água, energia, transporte público, saúde e educação, entre outros.
O pensamento sobre cidades inteligentes começou a partir da ficção cientifica, algo como as ideias que refletiam o imaginário das pessoas sobre o futuro, bem exemplificado no desenho animado Os Jetson’s (criado em 1962 pelos estúdios Hanna Barbera): carros voadores, cidades suspensas, trabalho automatizado, teletransporte, aparelhos eletrodomésticos para tudo e robôs. E toda esta evolução tem o único propósito de servir ao ser humano.
A partir do século 21, devido ao avanço da tecnologia, de forma revolucionária e rápida, o pensamento e o desejo de “cidades inteligentes” se tornaram mais próximo e até mais reais.
Esta busca tem um significado simples: as cidades são o elemento central e fundamental do crescimento demográfico e econômico dos países e vive-se um contexto de crise, pois os recursos são limitados. É preciso uma inovação para que exista o desenvolvimento social, econômico e ambiental do ecossistema urbano.
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são consideradas indispensáveis para racionalizar, otimizar e reduzir os custos e também para mudar a forma de colaboração entre os cidadãos e seu local de viver.
A World Foundation for Smart Communities define que as Cidades Inteligentes devem ser baseadas em um crescimento inteligente e planejado, por meio das TICs. “Uma Comunidade Inteligente é uma comunidade que faz um esforço consciente para usar a tecnologia da Informação para transformar a vida e o trabalho dentro de seu território, de uma forma significativa e fundamental, em vez de seguir uma forma incremental”.
Pensar nestas cidades é considerar que as tecnologias de informação e comunicação estarão embarcadas e incorporadas nos objetos e nas coisas. Elas, as tecnologias, se tornam invisíveis aos nossos olhos, apenas existem.
Pode-se concluir que Cidades Inteligentes são ambientes feitos com um esforço consciente para usar a tecnologia da comunicação para transformar a vida e o trabalho de uma região. O objetivo está além de apenas programar novidades tecnológicas, mas que o uso delas permita enfrentar desafios e obstáculos e dar soluções para as cidades e para as pessoas.
De forma mais poética, as Cidades Inteligentes são apenas cidades para as pessoas viverem bem, simples assim. A onda de conscientização, bem como a movimentação das pessoas neste caminho é positiva, pois une iniciativa, criatividade, conhecimento, mobilidade e a Internet das Coisas.
E o que é a Internet das coisas?
Para explicar a Internet das Coisas é necessário entender um pouco melhor sobre a Internet na vida das pessoas.
A primeira revolução da Internet se concentrou nas pessoas e mudou a forma das pessoas estarem conectadas entre si, e até na forma de comunicação e relacionamento das pessoas.
A segunda revolução envolveu as pessoas e os processos. Passamos a usar a Internet para conectar os processos de nosso dia a dia. A mobilidade se tornou essencial para os afazeres profissionais, para fazer o link entre o eu e os processos.
E a terceira revolução, que pode estar acontecendo neste momento, envolve as pessoas, os processos e as coisas. Colocou-se Internet nas Coisas.
Os eletrodomésticos do desenho da família “Jetson”, dotados de incrível sofisticação e com uma variedade de dispositivos capazes de poupar as pessoas de trabalho, passam a existir na vida real.
Uma Cidade Inteligente precisa que a revolução da Internet das Coisas aconteça, pois é preciso colocar “vida” nas coisas para que a Cidade Inteligente exista.
Passa a existir uma mudança de relacionamento do homem com as máquinas ou com as coisas, pois é inevitável uma mudança de paradigma. “A tecnologia por trás da Internet das Coisas vai mudar a relação dos seres humanos com máquinas de uma forma jamais vista, com outras inovações tecnológicas recentes. Por exemplo, a proliferação de meios de comunicação via smartphones já nos deu novas maneiras de organizar a nós mesmos, tanto social e quanto politicamente”, argumenta McKeown.
O MIT Auto-ID Laboratory é, em parte, responsável pelo objetivo de criar um sistema global de registro de bens usando um sistema único de numeração chamado Electronic Product Code, que é a essência da Internet das Coisas e representa o futuro da computação e da comunicação,cujo desenvolvimento depende da inovação técnica dinâmica em campos tão importantes como os sensores wireless e a nanotecnologia.
Através da nanotecnologia passam a existir processadores de tamanho muito reduzido e a função destes processadores é estar “nas coisas”, para que “as coisas” enviem informações para as grandes bases de dados e a Internet. Só desta forma se torna possível coligir e registrar os dados sobre cada uma “das coisas”.Essas informações serão processadas e terão a capacidade de interagir e se conectar.
Os produtos industriais e os objetos de uso diário com informação integrada, poderão vir a ter identidades eletrônicas ou poderão ser equipados com sensores que detectam mudanças físicas à sua volta. Tudo poderá ser etiquetado e colocado na rede. Estas mudanças transformarão objetos estáticos em coisas novas e dinâmicas, misturando inteligência ao meio e estimulando a criação de produtos inovadores e novos serviços.
É a Computação em Nuvem que viabiliza esse acontecimento, a explosão de dados. É necessária uma infraestrutura de serviços elástica e expansiva com capacidade de gerir o volume de dados que passa a existir e tornar o ambiente propício.
Uma forma de materializar é compreender que até mesmo as partículas de pó poderão estar equipadas com sensores que percebem a mudança física a sua volta e, com a inteligência artificial, transformarem esse dado em informação para ligar outro aparelho de limpeza, ou acender um equipamento ou desligar para que o objetivo definido (que seja ter um número de partículas de pó com um determinado comportamento) seja alcançado sem uma intervenção direta do homem.
Perceba que a Internet das Coisas é essencial para a existência das Cidades Inteligentes, que apenas acontecem com a integração promovida pelo uso da tecnologia e um suporte inteligente e contextualmente relevante. Sem tudo isto a denominação “smart” deixa de existir.
A função da tecnologia é tornar as tarefas mais fáceis de executar e em menor tempo. A Internet das Coisas nos oferecerá um nível de automação que nos possibilitará estreitar relações de trabalho com máquinas e com a Inteligência Artificial. Portanto, a Internet das Coisas tem potencial de nos permitir viver uma vida mais sustentável e com muitas possibilidades, desde automatizar a prevenção e o tratamento de doenças, como o controle do uso da água e da eletricidade, e até certas formas de trabalho.
Existem projetos isolados no mundo inteiro colocando o conceito em prática, tanto da Internet das Coisas como das Cidades Inteligentes. Pode-se citar o caso do projeto CITY+ que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida, a sustentabilidade e a competitividade da área metropolitana de Milão com o aumento da taxa de inovação, lançado em 2010 e pretende ir além da cidade depois de 2015 e assim reduzir a despesa pública com o recolhimento do lixo e despesas de água. Tem o caso de Amsterdã, na Holanda, que conta com o programa chamado Amsterdam Smart City, reunindo atualmente 43 projetos que visam o desenvolvimento sustentável por meio de inovações tecnológicas.
No Brasil, há diversas iniciativas de pessoas e organizações que estão pensando na Internet das Coisas e nas Cidades inteligentes. Vale destacar dois projetos:
1. Miguel Nicolelis, um neurocientista que lidera um projeto “do futuro” chamado ANDAR DE NOVO, que busca dar movimentos nas pernas e nos braços de quem os perdeu
2. Um grupo de professores e estudantes da Poli – USP e o seu PRÓPRIO projeto de Cidade Inteligente, que se destaca por apresentar um panorama de alimentação e a redução do desperdício de comida. Afinal se é uma Cidade Inteligente, tem que ser sustentável.
Entre muitos outros projetos ou iniciativas que buscam a interligação entre equipamentos, como o carro conectado na casa do individuo e a possibilidade de interligar/conectar as embalagens de remédios com as receitas de cada paciente para um tratamento mais customizado.
Alguns dizem que isso terá um efeito positivo, outros se preocupam com prováveis efeitos colaterais. O potencial é grande, o valor da realidade reside na sua aplicação e por isso existe a necessidade de reflexão.
Esta revolução é boa para a humanidade?
Existe uma movimentação em torno do que é chamado de a primeira grande conferência internacional (com o título de “Philosophy of the Internet of Things” em Julho/2014 na York St. John University) sobre a Internet das Coisas (ou IoT/Internet of Things, na língua inglesa) e um dos questionamentos é se este acontecimento é uma revolução tecnológica ou uma revolução social e se vai liberar o potencial humano e trazer mais qualidade de vida para a humanidade ou parte dela.
Joachim Walewksi, Rob Van Kranenburg e McKeown, organizadores da conferência, comentam que “seu desenvolvimento tecnológico está sendo impulsionado principalmente pelas preocupações comerciais e de negócios. De acordo com ele, se olharmos para a primeira revolução industrial, veremos que ela libertou os seres humanos, aliviando muitos deles da carga de seus postos de trabalho, através da mecanização. Em contrapartida, não aliviou os problemas econômicos trazidos pela falta de renda causada pela falta de trabalho. Assim, no curto prazo, com base na evidência histórica, não há garantias de que a IoT vai liberar todo o potencial humano”.
A conclusão é que os benefícios a longo prazo da primeira revolução industrial, acabou por nos levar para um lugar onde o potencial humano se tornou livre o suficiente para se envolver em outras coisas e hoje temos mais qualidade de vida, mas temos também alguns efeitos colaterais como menos tempo para as atividades de lazer, mais trabalho e uma mal distribuição de renda que divide desde as pessoas como os países. Daí a necessidade de começar a pensar sobre as implicações filosóficas da IoT agora para fazer melhor com a revolução da Internet das Coisas.
Se a expectativa social é que esta revolução possa beneficiar o maior número possível de pessoas e não apenas pequenos grupos ou apenas ambientes de negócios, qual o posicionamento mais adequado? E quanto isto é discurso e vai tornar-se efetivamente prática? Afinal, o que podemos fazer para que a tecnologia possa facilitar a vida de todas as pessoas e dar mais tempo para o lazer, dar mais qualidade de vida para a humanidade e não apenas para um grupo de pessoas?
A ideia de que a tecnologia poderá nos arrumar mais tempo para o lazer e deixar o trabalho acontecer de forma mais prática, pode ser uma ilusão. Há alguns anos, pensou-se que a utilização da internet nos daria mobilidade e as pessoas poderiam ter mais tempo livre, mas por outro lado parece que a tecnologia nos arruma mais trabalho e não mais qualidade de vida ou mais tempo.
Parece que na teoria faz muito sentido, mas as pessoas não tem tido muito sucesso nesta empreitada. O capitalismo e a competitividade tornam a premissa do fazer mais com menos (tempo) essenciais. E como fica a qualidade de vida?
A qualidade de vida envolve muitas facetas do conhecimento, apenas para citar algumas como o biológico, o econômico e o social e por isso desenvolve muitas das preocupações das pessoas como saúde física, mental e espiritual, arquitetura, educação, segurança, políticas públicas entre outras. É quase um debate interdisciplinar, o que em alguns aspectos dificulta o uso mais adequado do conceito. Qualidade de vida passou a fazer parte da linguagem comum e usual, desde fazer um exercício diariamente como implantar uma política pública de tratamento de resíduos, quanto trabalhar com satisfação e prazer. Enfim, tudo envolve e tem como propósito a qualidade de vida. E todas as áreas, de trabalho, de lazer, de cultura, do meio ambiente e de novas tecnologias, envolve a busca pela qualidade de vida.
De acordo com Cristovam Buarque (1993, p.156) “talvez nenhum conceito seja mais antigo”do que o de qualidade de vida. Mesmo antes de ser definido, já era sentido e ao mesmo tempo é “o mais moderno e atual: o ter qualidade de vida”.
O primeiro gesto do que viria a ser o homem tinha por motivação a melhoria na qualidade de vida dele e dos demais de sua tribo. Apesar disso, só muito recentemente o conceito surge, se consolida no imaginário coletivo dos homens, e assume como definição o uso de técnicas. Durante séculos, a qualidade de vida estava em não ser ameaçado pelos deuses, nem ser surpreendido pelas intempéries, e ter força para resistir aos inimigos naturais ou humanos. A vida era rotina, a qualidade dela era não quebrar a rotina. (BUARQUE, 1993, p. 156).
Dessa forma, qualidade de vida pode envolver o cultivo de amizades, a boa alimentação, o lazer, o trabalho e de forma mais específica está relacionada com a diminuição do consumo de produtos industrializados, a diminuição do conceito capitalista nas gerações mais jovens para um consumo melhor orientado, ter uma relação melhor com o meio ambiente, o trabalhar com mais prazer e qualidade para ter mais tempo livre e de lazer, os processos que facilitem a população a ter mais saúde ou tratamentos mais acessíveis, o uso mais rápido das informações para o ganho do tempo.
Por isso as Cidades Inteligentes que usam a Internet das Coisas e buscam a sobrevivência das cidades com mais qualidade de vida para as pessoas são o novo desafio da humanidade.
Depende da atitude de hoje para que a revolução da Internet das Coisas tenha melhores resultados do que a revolução industrial. Os homens tiveram benefícios incomparáveis, mas alguns deles não foram utilizados plenamente para uma vida mais plena e focada no meio ambiente, na cultura, na saúde, enfim na qualidade de vida do próprio homem. Será que este é o novo propósito, será diferente?
E para concluir este artigo,fica o convite para você continuar a viver esta aventura chamada de vida, agora com processadores de tamanho reduzido + computação em nuvem + automação + inteligência artificial + interligação + qualidade de vida + sustentabilidade = mais vida!
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Artigo de Luciane Faria, publicado no CIO.